terça-feira, 2 de novembro de 2010

humores

Já havia passado dias inexpugnáveis lendo palavras azedas nos livros, em sua maioria tristonhos e um pouco lascivos. Não havia o que ser feito, esperava pela verdade atrás da porta, decidi quebrar a parede e ver o tijolo nu, o pó escalando o ar do cômodo iluminado no fim da tarde, um sol de setembro entrelaçava-se com as migalhas das rachaduras, minha mulher deve ter ouvido o barulho estrondoso.

- Que foi isso aí em cima?

Nada, fique quieta, estou tentando enxergar enquanto penso, pensar enquanto vejo, e não posso lhe ouvir ao mesmo tempo que tento abraçar o mundo. Fique quieta, sim. A realidade ia acontecendo nos meus pensamentos conforme eu caminhava para entendê-los, e compreender também por que havia feito o buraco. Tentei ver o que havia na outra sala, era o escritório, o computador e a escrivaninha tinham um ar pesaroso naquela atmosfera apagada, quase sem iluminação, a única que chegava era a que passava pelo rombo. Notei como aquele feriado em casa estava me prendendo ali, a forma como me tornava inerte e sem ambições conforme ansiava por uma vida mais pacata dentro do lar. Não queria mais essa solidão esporádica, um pouco com a mulher, um pouco no quarto. Eu deveria sair, ir beber nos bares e cair sobre as poças das chuvas que varrem os miseráveis e patifes, meu espírito sussurrava a mim que fosse buscar o veneno fresco em forma de cicuta sobre a relva orvalhada, mas antes eu escreveria um ensaio para divagar sobre as questões que atormentam qualquer humano, coisas como felicidade, culpa, incompletitude e a falta de sexo nos sábados à noite. Eu contornaria meus próprios problemas, como o devedor astuto que por muitas vezes fugiu do agiota, encolhendo-se e correndo. Mas então, agora, devo caçar os corvos e dançar com as raposas, que também intento caçar, tudo que caminhar e respirar será presa para mim e essa língua afiada, é um sentimento agudo que sinto quando penso na mudança que tenho que fazer para me tornar glorioso, redirecionar as rotas e os ventos e rezar para que sejam o bastante. Talvez devesse começar tudo de novo. Do ponto de partida. Peguei o martelo, vou subir a montanha e destruir meu criador, verei se dele sai algum novo caráter mais apresentável, preciso de algo para o baile de gala, uma aparência que transcreva a loucura que me tornei.

Um comentário:

  1. Adorei.
    Poderia-se dizer que no começo tudo fica muito perdido para o leitor, mas com o desenrolar do texto as palavras vão ficando mais covenientes e mais claras. Você soube usar do mistério e também explorar a interpretação do leitor.

    Eu gostei. Voltarei sempre aqui. (:

    http://ideologiasparaviver.blogspot.com

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