terça-feira, 8 de março de 2011

o movimento da noite

Essa noite lenta que, arrastando-se, segue firme e insisti em não dar cabo de si mesma. Os choros da crianças não amamentadas se prendem ao peito da escuridão semidilacerada; um sibilante som de aço que contorna as quinas com seu ruído de máquina, lá onde as vozes ainda se confundem nas piadas e desentendimentos - uma ninhada de cães nasceu no beco menos distante onde as músicas saem para dançar na calçada, vindas do interior do lounge. A paisagem intacta revela a idade do seu observador, sete décadas e aquele pequeno mundo havia saído do casulo e abanado asas para o poente.
Um grilo e um cigarra são coisas raras numa cidade, mas onde há arbustos há vida, e não é diferente - depois das seis, os insetos também saem para bailar no canteiro de obras imóvel, carregadeiras e escavadeiras desligadas, peões guardados na caixa. No último andar do edifício fumegado, a luz acesa indica um sinal de vida e de paz, e de guerra, nas trevas. Um trabalho segue seu fluxo às três da manhã no fechamento do mês, os telefones estão mudos e roncam com a monotonia do crocitar dos papéis. Na curvas e nos pontos onde os ônibus arrematam, o público aguarda aquela ausência antes da inauguração, vem aqueles que não dormiram ainda trocar os postos com os que, de olhos inchados, dormiram como se não tivessem. E um borrão, que já é cinco, dilui na linha deitada por trás do mármore falso: azul-escuro tingido com laranja, e fica mais claro, no azul royal o amarelo se enlaça e o azul vira turquesa, o vermelho vem beijar os lábios da realeza, o azul claro decai pálido.

Então, o sol carrega para dentro da jaula azul mais um dia neutro, um pouco mal acabado, com sabor insosso do café frio.