domingo, 7 de novembro de 2010

os anos e as cidades

Vi o dia nascendo e subindo em chamas pelo rio impuro da cidade, uma cobra sorrateira serpenteia, os acúmulos de restos espalhados na superfície da beleza morta, que era selvagem, agora trancafiada no calabouço com argamassa. Os raios do dia trouxeram os jornais, dentro de cada um, uma notícia inexata das palavras que rondam as calçadas e os porões dos prostíbulos que todo patife anseia conhecer. Nos trens e metrôs, tantas vidas se entrelaçam, só aparentemente, num instante moroso de calor inconveniente, num aperto inconsolado no caminho entre-estações; nas chegadas, multidões escorregam até as escadas pelas plataformas úmidas, como ratos que patinham pelas calhas, um bolo de roupas e carne, um odor aqui, outro ali, rostos tão lânguidos, tão indecifráveis.
O sol escorre e transcorre pela vísceras dos edifícios supervalorizados, em locais tão caros de se viver, que se escolhe morar ou ter café-da-manhã. Esta era a cidade amada, que agora jorra teores pérfidos e alusões de grandezas desencontradas, que nos faz prisioneiros de uma guerra sacra em nome dos valores outorgados por mãos polutas, os abutres em arranha-céus e seu grande poder contra a auto-estima do homem comum, come-lhes as vontades lassas tal como fígados abertos dos animais da estrada. E de tantas aglomerações, as filas por de trás dos vidros fundidos dos bancos e lanchonetes, a vida é uma espera, uma espera extenuante entre sábados e feriados. A manhã vem aí, tingindo o concreto rachado ornado de bitucas e das sobras do banquete noturno, nascendo novamente, porém com ela nada de novo; a capital do esquecimento olvidou a si mesma e o que sobrou não bastou - não bastou para saciar a fome das bocas que expelem seu nome cinzento e dissaboroso, o paradoxo que colapsa sobre a própria cauda - quimera, teu nome é cidade!

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